A Patologização Volta com Tudo nas Redes Sociais

set 13, 2025 | Blog, Saúde mental

Alerta Jovem: A Patologização Volta com Tudo nas Redes Sociais e Por Que Isso Te Afeta Mais do Que Você Imagina!

Em um cenário que se desenha com tons de apreensão e um preocupante ar de déjà vu, o anúncio de Mark Zuckerberg, em 7 de janeiro de 2025, ressoa como um alarme ensurdecedor para todos aqueles que se dedicam à construção de uma sociedade mais justa, equânime e, acima de tudo, humana. A revelação de que as plataformas digitais sob seu comando permitirão a associação de questões de sexualidade a transtornos mentais não é apenas uma alteração algorítmica; é um recuo ideológico sísmico, um soco no estômago das lutas por diversidade e saúde mental que pareciam ter conquistado um espaço irreversível no ambiente digital. Para nós, lutadoras e lutadores da saúde mental de nossos filhos, este não é um mero revés, mas a declaração de um novo campo de batalha, onde a patologização, agora abertamente endossada pelas maiores redes sociais do mundo, ameaça erodir anos de avanços e conquistas.

Ainda ecoa em nossos ouvidos a melodia “descolada e moderninha” entoada pelas Big Techs, que, com estratégias de marketing milimetricamente calculadas, abraçavam a diversidade, hasteavam bandeiras arco-íris e se posicionavam como bastiões da inclusão. Essa narrativa, por vezes superficial, por vezes genuína, construiu uma percepção de que o espaço digital era, senão um porto seguro, pelo menos um território mais acolhedor para a pluralidade de existências. O anúncio de Zuckerberg, entretanto, rasga essa fachada e expõe uma realidade mais crua e perigosa: a lealdade das grandes corporações, em momentos de agudização da crise, não está com a ética ou com os direitos humanos, mas sim com a manutenção do status quo e, se necessário, com a instrumentalização de pautas fascistas e eugenistas.

O Efeito Dominó da Patologização: Do Algoritmo à Alma

Para compreendermos a profundidade deste retrocesso, é crucial mergulharmos no impacto da patologização. Patologizar significa transformar uma característica humana, uma vivência, uma forma de ser ou amar, em uma doença, um desvio, algo a ser “curado” ou “tratado”. Ao longo da história, a patologização foi uma ferramenta poderosa de controle social, utilizada para silenciar minorias, justificar discriminações e, em seus piores extremos, legitimar atrocidades. A homossexualidade, por exemplo, permaneceu na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS) até 1990, um período que deixou cicatrizes profundas em gerações de indivíduos que foram submetidos a “curas” brutais e desumanas. A luta para despatologizar a homossexualidade e outras identidades de gênero e sexualidade foi longa e árdua, um triunfo da ciência, da ética e da humanidade.

O que as redes sociais agora propõem, ao permitir a associação de sexualidade a transtornos mentais, é um perigoso retrocesso a essa era sombria. Não se trata apenas de um “filtro” ou de uma “opção de categorização”. Trata-se de legitimar, por meio de seus algoritmos onipresentes, a ideia de que ser LGBTQIA+ pode ser sinônimo de “estar doente”. Isso tem um efeito dominó devastador.

1. A Amplificação do Estigma e da Discriminação:

O estigma é um marcador social que associa características negativas a um grupo ou indivíduo, gerando preconceito e discriminação. Ao patologizar a sexualidade, os algoritmos se tornam amplificadores de estigma. Pensemos em um jovem que busca informações sobre sua própria identidade de gênero ou orientação sexual nas redes sociais. Se os resultados de busca e as sugestões de conteúdo começam a associar sua sexualidade a transtornos como ansiedade, depressão ou, pior ainda, “desvios”, o impacto na sua saúde mental pode ser catastrófico. O que deveria ser um espaço de autodescoberta e acolhimento transforma-se em um labirinto de autodepreciação e medo.

Exemplo Prático: Uma adolescente bissexual, em busca de comunidades de apoio no Instagram, pode ser bombardeada com anúncios de “terapias de reorientação sexual” ou com conteúdos que conectam sua sexualidade a “crises de identidade” ou “problemas emocionais“. Isso não só a desumaniza, como também a isola, reforça a internalização do preconceito e a impede de buscar ajuda em espaços seguros, levando a um aumento da vulnerabilidade a transtornos mentais como depressão e ideação suicida. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) no Brasil, de 2019, já indicam que pessoas LGBTQIA+ têm maior prevalência de transtornos mentais em comparação com a população heterossexual e cisgênero, uma disparidade que é exacerbada pelo estigma e pela discriminação social. (Fonte: IBGE, 2019)

2. O Fomento de Terapias de Conversão e a Pseudociência:

O anúncio de Zuckerberg abre as comportas para a proliferação de pseudociências e práticas antiéticas, como as famigeradas “terapias de conversão” ou “cura gay“. Essas práticas, cientificamente refutadas e condenadas por entidades como a Associação Americana de Psiquiatria e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) no Brasil, causam danos psicológicos irreparáveis e, em muitos casos, levam à tortura e ao trauma. Ao permitir a associação entre sexualidade e transtorno mental, as redes sociais fornecem um terreno fértil para que essas práticas ganhem visibilidade e, consequentemente, atinjam um público vulnerável.

Exemplo Prático: Um pai, preocupado com a orientação sexual de seu filho, pode ser direcionado por algoritmos a grupos e páginas que promovem “especialistas” em “reorientação sexual”, prometendo “curar” a homossexualidade ou a transexualidade. O filho, por sua vez, pode ser exposto a esses conteúdos e, sob pressão familiar e social, ser submetido a práticas abusivas que anulam sua identidade e geram sofrimento intenso. A Resolução CFP nº 01/1999, que proíbe psicólogos de “colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade”, é um marco fundamental nessa luta. O recuo das redes sociais representa um desrespeito flagrante a essa e outras diretrizes éticas e científicas.

3. O Impacto na Saúde Mental da População LGBTQIA+:

A patologização é um gatilho para a piora da saúde mental. A constante sensação de que “há algo errado” com a própria identidade, a internalização do preconceito e a exposição à discriminação aumentam significativamente os índices de depressão, ansiedade, automutilação e ideação suicida entre pessoas LGBTQIA+. Um estudo publicado no Journal of Adolescent Health (2018) com jovens LGBTQIA+ nos EUA, por exemplo, demonstrou que aqueles que experimentaram estigma baseado em sua orientação sexual ou identidade de gênero apresentaram taxas significativamente mais altas de problemas de saúde mental.

Exemplo Prático: Uma pessoa trans não-binária, em busca de autoaceitação e validação, se depara com um universo digital que categoriza sua identidade como um “transtorno”. A falta de representatividade positiva e a sobrecarga de conteúdos patologizantes podem levar a um isolamento social, a um sentimento de desesperança e a um aumento da vulnerabilidade a crises de saúde mental, demandando intervenções terapêuticas mais complexas e demoradas.

O Duplo Retrocesso: Saúde Mental e LGBTQIA+ no Olho do Furacão

O que torna este anúncio de Zuckerberg ainda mais perverso é o duplo retrocesso que ele representa. Não é apenas uma ofensa à pauta LGBTQIA+, mas também um ataque direto à luta antimanicomial e à visão de uma saúde mental baseada nos direitos humanos. A desinstitucionalização psiquiátrica, o combate à medicalização excessiva e a promoção de cuidados em liberdade e com respeito à autonomia são pilares da Reforma Psiquiátrica brasileira, um movimento que inspira o mundo. Ao associar sexualidade a transtornos mentais, as redes sociais validam uma visão arcaica e segregadora da saúde mental, que ignora a complexidade das vivências humanas e simplifica a dor em diagnósticos reducionistas.

A história da psiquiatria está intrinsecamente ligada à construção social de “normalidade” e “anormalidade”. Aqueles que desafiavam as normas sociais, seja por sua sexualidade, por suas ideias políticas ou por sua forma de pensar, eram frequentemente rotulados como “loucos” e confinados em manicômios. A luta antimanicomial é, em sua essência, uma luta contra essa lógica de exclusão e controle. O que as redes sociais estão fazendo é, metaforicamente, construir muros digitais para novas formas de “manicômio”, onde o controle social se exerce através de algoritmos e a patologização se torna uma ferramenta de desumanização.

A Articulação Fascista e Eugenista: Um Alerta Global

O texto inicial do artigo acende um alerta fundamental: “Em momentos de agudização da crise, o Capital não se furta em lançar mão de suas pautas fascistas e eugenista na garantia de manutenção do status quo.” Esta frase, que pode parecer alarmista, é um convite à reflexão profunda. O avanço da extrema direita, de ideais nazifascistas, não é um fenômeno isolado ou acidental. É um projeto articulado, uma estratégia consciente de grandes potências econômicas mundiais para manter o controle em um mundo em transformação.

A patologização da sexualidade e o retrocesso na pauta da saúde mental não são acidentes de percurso. São peças de um quebra-cabeça maior, que se encaixam na narrativa de controle, de hierarquização social e de eliminação das “diferenças”. A lógica eugenista, que busca a “purificação” da raça ou da sociedade através da eliminação ou segregação daqueles considerados “inferiores” ou “doentes”, encontra nas plataformas digitais um novo e perigoso campo de atuação.

Exemplo Prático: A disseminação de discursos de ódio contra minorias, a promoção de notícias falsas (fake news) que atacam a ciência e a democracia, e o constante assédio a ativistas de direitos humanos são evidências de uma estratégia coordenada. Ao permitir que a patologização da sexualidade ganhe tração em suas plataformas, as Big Techs se tornam cúmplices, mesmo que involuntariamente, desse projeto maior de retrocesso civilizatório. Elas fornecem a infraestrutura digital para que ideologias perigosas se propaguem, minando a confiança nas instituições, fragmentando a sociedade e erodindo os direitos conquistados com tanto suor e luta.

A Urgência da Organização e da Resistência

Diante deste cenário complexo e preocupante, a organização da luta e a resistência se tornam não apenas necessárias, mas imperativas. Não podemos nos dar ao luxo da passividade. A luta antimanicomial, a luta LGBTQIA+ e a luta por direitos humanos são intrinsecamente interligadas. O ataque a uma é um ataque a todas.

O que podemos fazer?

1. Denúncia e Posicionamento Público:

É fundamental que as entidades de classe, movimentos sociais, pesquisadores e ativistas se unam em uma forte denúncia pública contra as políticas das redes sociais. É preciso expor a irresponsabilidade e o perigo de tais decisões, exigindo um recuo imediato e a implementação de políticas que protejam a saúde mental e os direitos humanos.

2. Educação e Conscientização:

O combate à desinformação e à patologização passa pela educação. É preciso informar a população sobre os riscos dessas políticas, sobre a falsidade das “terapias de conversão” e sobre a importância da aceitação e do respeito à diversidade. Campanhas de conscientização nas próprias redes sociais, que denunciem o perigo da patologização, são cruciais.

3. Pressionar por Regulação e Responsabilização:

As Big Techs não podem operar em um vácuo regulatório. É urgente que governos e órgãos internacionais estabeleçam mecanismos de regulação que responsabilizem as plataformas por conteúdos que promovem o ódio, a discriminação e a patologização de grupos vulneráveis. A Europa, com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e o Digital Services Act (DSA), já aponta caminhos nesse sentido.

4. Apoio a Comunidades e Redes de Cuidado:

É mais importante do que nunca fortalecer as redes de apoio e cuidado para a população LGBTQIA+. Isso inclui o fomento a centros de acolhimento, grupos de apoio psicossocial e a disseminação de informações sobre serviços de saúde mental acessíveis e acolhedores. A comunidade precisa se unir para se proteger.

5. Pesquisa e Produção de Conhecimento:

A academia tem um papel crucial na produção de pesquisas que demonstrem os impactos negativos da patologização e da discriminação na saúde mental. Estudos que quantifiquem o aumento de transtornos mentais, o crescimento da procura por “terapias de conversão” e o impacto da desinformação são ferramentas poderosas na luta por mudanças.

Fontes Científicas Nacionais e Internacionais (para aprofundamento):

  • Brasil:

    • Conselho Federal de Psicologia (CFP): Resoluções e notas técnicas sobre a proibição de “terapias de conversão” e a ética profissional. (Ex: Resolução CFP nº 01/1999)

    • Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO): Publicações e artigos sobre a Reforma Psiquiátrica e a saúde mental da população LGBTQIA+.

    • IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): Pesquisas como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) que fornecem dados sobre a saúde mental e a população LGBTQIA+. (Ex: PNS 2019)

    • FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz): Pesquisas sobre saúde mental, direitos humanos e vulnerabilidades.

  • Internacionais:

    • Organização Mundial da Saúde (OMS): Classificação Internacional de Doenças (CID) e diretrizes sobre saúde mental e direitos humanos, incluindo a despatologização da homossexualidade.

    • American Psychological Association (APA) e American Psychiatric Association (APA): Declarações e diretrizes contra “terapias de conversão” e a favor dos direitos LGBTQIA+.

    • The Trevor Project: Organização americana que realiza pesquisas e oferece suporte a jovens LGBTQIA+, com dados valiosos sobre a saúde mental desse grupo. (Ex: National Survey on LGBTQ Youth Mental Health)

    • ILGA (International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association): Relatórios e pesquisas globais sobre a situação dos direitos LGBTQIA+.

    • Human Rights Watch (HRW) e Amnesty International: Relatórios sobre violações de direitos humanos, incluindo a patologização e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+.

Conclusão: A Luta Continua, Agora no Campo Digital

O anúncio de Zuckerberg não é apenas um sinal de alerta; é um chamado à ação. A “vibe descolada e moderninha” das Big Techs se desfaz, revelando uma face mais sombria e perigosa, que se alinha com agendas de controle e patologização. Para nós, a batalha contra a desumanização ganha um novo front: o digital.

É fundamental que nos unamos, que nos organizemos e que resistamos. Não podemos permitir que a patologização da sexualidade, outrora confinada aos manuais psiquiátricos obsoletos e aos recônditos de clínicas duvidosas, ganhe uma dimensão global através dos algoritmos das redes sociais. A história nos ensinou que a luta pela liberdade e pela dignidade humana é constante. E neste momento, mais do que nunca, a liberdade de ser, amar e existir sem ser patologizado é um direito inegociável. Que a nossa resistência seja tão potente quanto a opressão que se anuncia, e que a nossa humanidade prevaleça sobre os algoritmos do retrocesso.

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